Por Maria Célia Guin.
Você fica com medo de uma situação que acontecerá num futuro breve? Conhece alguém que gosta de organização e a associou com TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo)? Se distraiu por um momento e pensou que tinha Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade? Essas e outras perguntas podem se mostrar importantes para o autoconhecimento e percepção do sofrimento alheio, mas, nem tudo que brilha é ouro, então, nem toda mudança de humor é bipolaridade, nem toda sensibilidade é autismo. Logo, se a prática não é saudável, porque o autodiagnóstico acontece?
Desde o surgimento da internet, o ser humano passou a se informar mais, ora, se tornou mais fácil, as enciclopédias não precisavam mais serem usadas, não precisaria ler todo um livro para achar uma única informação; o acesso aos meios digitais possibilitou a síntese de dados, assim, entregou aos seus navegantes as respostas para as suas perguntas sem que precisassem sair de casa, sem que tivessem que entrar em conflitocom grandes textos e sua escrita, muitas vezes, incompreensível. E puderam ir além ao encontrar na internet uma enorme disponibilidade um catálogo de doenças, seus sintomas e possíveis tratamentos, possibilitando que as pessoas possam, a partir dali, procurar um profissional, ou, como acontece em maioria das vezes, se autodiagnosticarem e consequentemente se automedicarem.
Os sintomas descritos são parecidos, e fica fácil achar um agente causador a partir do que está escrito naquela tela, ora, se sinto todos os sintomas de uma doença como posso não a ter? Nesse ponto, é imprescindível a procura por um profissional específico, será ele que, a partir de consultas, relatos, exames, se necessário, chegará, ou pelo menos tentará chegar, a um diagnóstico e assim, iniciar o tratamento.E, também, é importante esclarecer que pesquisar não é errado, não faz mal procurar e, em alguns casos, os sintomas são sim da doença descrita, o que não deve ser feito é fechar um diagnóstico apenas com aquelas informações.
O autodiagnóstico pode e deve ser evitado, mas não é só dizer às pessoas para não fazerem isso, é preciso ir à fundo, na raiz do problema, e tal tema tem raízes que se alongam em baixo da terra (por não seremvisíveis aos olhos, deixa acreditar que o culpado é a pessoa, que por n razão, tentou achar algum tipo de ajuda), como por exemplo, a falta de regulamentação das redes sociais. Hoje, é muito fácil divulgar qualquer conteúdo, sem se importar com a veracidade das informações, e os algoritmos das plataformas ajudam a destilar esse tipo de conteúdo para outras pessoas, que compartilham com outras e faz com que se torne uma grande teia de mentiras. Mas o problema também está em quem cria, em que disponibiliza esses tipos de conteúdo, decerto que muitos desses se dizem profissionais da saúde mental, mas não levam os aprendizados sobre ética durante a universidade para frente e se mostram irresponsáveis para com a sociedade.
No entanto, é necessário apontar os erros dos governos para com a população, visto que, se o acesso a saúde não fosse precário, se houvesse a devida atenção à saúde mental do cidadão, o autodiagnóstico poderia ser evitado, ou pelo menos, controlado. Quantas vezes você foi à um posto de saúde e não tinha médico? Ou quantas vezes teve que esperar meses para uma única consulta, que na hora, poderia durar dez minutos? A saúde mental, assim como a física, não espera, não dá para marcar um horário para ter picos de depressão, crises acontecem aleatoriamente e é necessário que os serviços públicos de saúde ofereçam ajuda em qualquer momento solicitado. E não é qualquer ajuda, o paciente merece ser tratado com dignidade, ter seus sintomas e relatos respeitados e, ser ouvido sem ser subjugado. O autodiagnóstico se associa à falta de políticas públicas quando o acesso ao diagnóstico clínico é negado.
Por fim, um diagnóstico serve também como um rótulo; quando alguém fala sobre o seu estado mental entende-se um pouco mais sobre ela, se é dito que sofre com Transtorno de Ansiedade, será mais fácil entender que seus dias costumam ser mais agitados, que seu coração pulsa fortemente, mas não é um ataque cardíaco. Porém, a psicopatologia não é um fator limitante, não é a ansiedade que te faz errar, não é o TEA, não é a bipolaridade, humanos são inerentes às falhas, e é na falha que (também) mora o problema, porque ao se associar um desacerto a algum transtorno é certo o livramento do sentimento de culpa; o ato de não reconhecer as nossas falhas a ponto de incriminar os problemas da mente. É importante saber que há o direito de errar, saber que vamos errar, e que o que está ao alcance é somente o conserto.
https://www.instagram.com/p/C7RJmHtOIaT/?igsh=MWhiODhvcDRnOGkwaw==