Parque tem mais de 200 cavernas catalogadas e 114 sítios arqueológicos que revelam ocupações humanas de mais de 12 mil anos

O cenário é grandioso. No sertão do Norte de Minas Gerais, entre os municípios de Januária, Itacarambi e São João das Missões, está o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, um tesouro natural de grutas monumentais, pinturas rupestres milenares e um imenso cânion esculpido por um rio subterrâneo com mais de 21 quilômetros de extensão. Agora, esse patrimônio mineiro está prestes a conquistar o mundo. O cânion do Peruaçu está sendo avaliado na 47ª sessão do Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), em Paris (França). Se aprovado, será declarado Patrimônio Natural da Humanidade, ao lado de ícones como os Lençóis Maranhenses, as Cataratas do Iguaçu e o Pantanal.
Com mais de 200 cavernas catalogadas e 114 sítios arqueológicos que revelam ocupações humanas de mais de 12 mil anos, o Parque impressiona por sua dimensão e riqueza histórica. O cânion possui 38.003 hectares e abriga cavernas com pinturas rupestres bem preservadas. Uma das mais impressionantes é a Gruta do Janelão, com mais de 100 metros de altura e largura. É ali que está a maior estalactite do mundo, a chamada “Perna da Bailarina”, com 28 metros de comprimento — o equivalente a um prédio de nove andares. O turismólogo Leidson dos Reis Nunes, agente de turismo receptivo, destaca o valor histórico do local. “Os povos que habitaram aqui o Vale do Peruaçu, provavelmente, até onde se sabe, retratavam cenas do cotidiano, cenas de caça, coisas de pesca, instrumentos de caça, instrumentos de pesca, alguns animais, cestos, potes de barro”.
Apesar da trilha difícil, Leidson garante que a paisagem compensa. “A subida até aqui é um pouco cansativa, mas vale muito a pena. Eu costumo dizer que todo esforço aqui é recompensado pela beleza do lugar”. Para ele, atuar no turismo do Peruaçu é um privilégio. “É um parque nacional que resguarda registros dos nossos ancestrais. O que me encanta é a grandiosidade, a história e a ancestralidade do lugar”.
Segundo Leidson, o reconhecimento pela Unesco pode transformar a região. “Acredito que o parque, como Patrimônio da Humanidade, pode trazer diversos benefícios, como reconhecimento internacional, captação de recursos, investimentos em projetos e melhoria da qualidade de vida, especialmente para quem vive do turismo”.
A candidatura do Peruaçu é resultado de anos de trabalho de pesquisadores, ambientalistas, comunidades locais e instituições públicas. Um esforço técnico e político que pode colocar o Norte de Minas no mapa mundial do turismo ecológico e cultural. Para o Ricardo Henrique Palhares, professor do Departamento de Geociências e do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu reúne características únicas que o tornam apto ao reconhecimento como patrimônio natural da humanidade. “Esse reconhecimento internacional pode representar o segundo título consecutivo para o Estado de Minas Gerais, evidenciando a riqueza cultural e ambiental da região”, destacou. Ele lembra que o primeiro foi o reconhecimento do queijo Minas artesanal como patrimônio cultural imaterial.
Segundo Palhares, a candidatura envolve uma análise interdisciplinar que considera aspectos geográficos, arqueológicos, ambientais e socioculturais. “Dentro de uma contextualização à importância do sítio, o Vale do Peruaçu é um complexo natural arqueológico que abriga formações cársticas (feições topográficas criadas pela dissolução de rochas solúveis pela água), regiões de cavernas e sítios com pinturas rupestres de grande relevância histórica. A região apresenta uma biodiversidade significativa, com ecossistemas frágeis que demandam proteção ambiental rigorosa”. O professor também lembra que as pinturas rupestres são testemunhos das primeiras manifestações humanas na América do Sul, fundamentais para estudos arqueológicos e antropológicos. “O reconhecimento como patrimônio mundial elevaria a visibilidade internacional e fortaleceria políticas públicas de conservação e turismo sustentável”, afirma.
A metodologia usada na candidatura foi rigorosa. Um trabalho multidisciplinar reuniu arqueólogos, geógrafos, biólogos e historiadores para documentar os valores culturais e naturais do local. A avaliação da Unesco considera critérios como integridade, autenticidade, importância universal e excepcional. Também foi elaborado um plano de manejo integrado, voltado à conservação ambiental, uso sustentável dos recursos e proteção do patrimônio arqueológico, com participação ativa das comunidades locais e de instituições governamentais.
Degradação ambiental
Mas o Vale do Peruaçu não é feito apenas de belezas naturais. A equipe da Itatiaia percorreu trilhas, cavernas e comunidades do entorno e encontrou um retrato preocupante: estiagem severa, degradação ambiental e escassez de água. A professora e bióloga Maria das Dores Veloso, pró-reitora de Pesquisa da Unimontes, alerta para a degradação do Cerrado. “A caixa d’água que existe no Cerrado está desaparecendo. A água está sendo extraída de forma predatória e isso vai refletir nas veredas, nos ambientes e nas comunidades da região”.
Para o secretário de Cultura e Turismo de Minas Gerais, Leônidas de Oliveira, a chancela da Unesco pode ser um divisor de águas para o turismo sustentável no estado. “Eu espero que Minas ganhe mais esse título de patrimônio mundial. No caso, natural, o primeiro do nosso Estado. Vamos torcer e esperar. E Minas Gerais, que já é disparada a que mais tem títulos de patrimônio cultural da humanidade, de patrimônio imaterial único do Brasil, agora com um patrimônio natural. Potencializando as nossas culturas e o turismo, internacionalizando de forma poderosa Minas Gerais”.
A reunião do Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco segue até 16 de julho e a previsão é de que a decisão seja divulgada até esse domingo (13). Formado por representantes de 22 países, o comitê examina propostas de reconhecimento como patrimônio natural e cultural apresentadas por 32 nações de todos os continentes. Entre os locais candidatos, além do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, no Brasil, estão a Rota Colonial Transístmica, no Panamá, e a Rota Huichol, no México. Trinta sítios culturais e naturais aguardam a decisão.