Especialista destaca benefícios e riscos do uso da creatina
Especialistam fazem alerta para o uso indiscriminado de Creatina
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A creatina, suplemento conhecido pelo seu uso especialmente por frequentadores de academias, tem ganhado novos significados. Além de auxiliar no ganho de força e resistência muscular, estudos recentes apontam que ela pode contribuir para funções cognitivas, saúde mental e até proteção celular. Será? Mas, enquanto o interesse cresce, especialistas alertam: suplementar creatina não é para todos e exige orientação profissional.
Produzida naturalmente pelo nosso organismo – no fígado, rins e pâncreas – e encontrada em alimentos como carne vermelha e peixes, a creatina participa diretamente da produção de energia celular. É essencial para o funcionamento dos músculos e também do cérebro. Mas será que todo mundo precisa suplementar?
“Funciona, mas não é mágica”
Segundo a nutricionista e doutora Janaina Goston, professora da USP e consultora de atletas, a creatina se popularizou nas academias porque realmente faz diferença. No entanto, a especialista alerta que o suplemento “funciona” apenas para quem treina adequadamente e faz atividades de alta intensidade e curta duração, como musculação e sprints”. Ela reforça ainda que muitos começaram a usar o suplemento sem entender seu real propósito.
“A creatina virou moda. Tenho visto muita gente usando sem nem saber para que serve”, alerta.
Cognição e humor: há evidência?
Apesar dos estudos indicarem possíveis benefícios cognitivos, Janaina é cautelosa. “Na minha experiência clínica, os efeitos cognitivos ainda são inconsistentes e inconclusivos. O cérebro usa creatina, isso é fato, mas traduzir isso em benefícios práticos ainda precisa de mais evidências robustas”, afirma.
Ela esclarece que sua prescrição da creatina é sempre com foco na melhora da performance física. “Se está tomando, treina bem, mas come mal, se recupera pouco e toma de forma irregular, esquece. Você não verá qualquer benefício e ainda estará gastando seu precioso dinheiro em vão.”
Riscos e fiscalização
A creatina é permitida no Brasil e regulamentada pela Anvisa com limite de 3g por porção. O problema, segundo Janaina, está na fiscalização e na qualidade dos produtos no mercado. “Infelizmente, ainda lidamos com fraudes na indústria, possibilidade de infrações na manipulação, contaminação e alegações inadequadas”, diz. A nutricionista reforça a importância de escolher marcas certificadas e confiáveis.
“Não é só tomar e pronto”
Antes de começar a suplementar, a avaliação individual é essencial. “Preciso avaliar se a pessoa realmente precisa, se o treino justifica, se há contraindicações”, explica Janaina. Um exemplo comum é de lutadores que precisam cortar peso: a creatina pode dificultar esse processo por causar retenção de água nos músculos.
“Ela não engorda, mas pode provocar retenção hídrica. Para alguns, isso é um problema; para outros, não traz qualquer efeito colateral”, comenta.
Uso indiscriminado é preocupante
Mesmo sendo um suplemento seguro em muitos casos, Janaina vê com frequência o uso indiscriminado – inclusive por pessoas sedentárias. “Ainda que gere poucos riscos, o maior problema é a falsa sensação de que o suplemento substitui treino e dieta adequados. Não há atalhos!”
Ela também alerta que a creatina não tem efeito estimulante como a cafeína. “Seus efeitos estão no favorecimento da ressíntese de energia para a próxima série de exercícios.”
A recomendação de creatina para gestantes, adolescentes e idosos requer cuidado. “Em gestantes, não recomendo. Em adolescentes, só em casos muito específicos, com acompanhamento rigoroso. Estão em desenvolvimento hormonal natural, o foco deve ser educação alimentar e técnica de treino, não suplementação.”
Para idosos, ela vê um possível benefício – desde que associado a treinos de força, boa alimentação e avaliação de comorbidades. “Mesmo atletas profissionais passam por avaliação criteriosa antes da prescrição.”
A comunicação inadequada e a cultura da “hiper-suplementação” também são pontos de atenção. “Vejo vendedores e influenciadores sem qualificação dando orientações com promessas exageradas, foco no resultado rápido. A indústria se beneficia disso, mas quem paga o preço é o consumidor mal-orientado”, critica Janaina.
Ela reforça que cada profissional deve atuar dentro do seu escopo. “Nutricionistas prescrevem suplementos, educadores físicos orientam sobre treino, médicos avaliam questões de saúde. Tudo deve ser baseado em evidências, não em modismos.”
Para quem pensa em iniciar a suplementação por conta própria, o recado de Janaina é direto: “Não faça isso! Procure um nutricionista especializado em esportes. Primeiro, organize sua alimentação, treine força consistentemente por pelo menos três meses, depois busque orientação profissional.”
A doutora conclui com um alerta importante: “Creatina funciona, mas apenas quando bem indicada, para quem realmente precisa, com acompanhamento adequado. Não existe atalho para resultados consistentes e duradouros. E não haverá um único suplemento capaz de fazer por você o que precisa: treinar e se alimentar bem”
* Sob supervisão de Lucas Borges