O nível de nossa ambição, o ímpeto de consumo e o desperdício estão entorpecendo nossa mente diante da escassez dos recursos e dos desajustes climáticos
Padre Samuel Fidelis é colunista da Itatiaia
Arquivo pessoal
BH está com falta de ar. Junto com essa onda de calor, vimos, nos últimos dias, um sequestro do nosso “Belo Horizonte”. Queimadas em diversos locais, na região metropolitana e também de fora, trouxeram nuvens de fuligem e de fumaça. Esse é mais um prelúdio do abismo para onde estamos indo se não prestarmos atenção às questões climáticas.
Já pode parar por aí, se o texto lhe soa apocalíptico, globalista… Não há monopólio de “agenda” quando o assunto diz respeito ao meio ambiente. Seja de esquerda ou de direita, seja progressista ou conservador, precisamos de um consenso sobre como nosso modo de vida está afetando o planeta.
O nível de nossa ambição, o ímpeto de consumo e o desperdício estão entorpecendo nossa mente diante da escassez dos recursos e dos desajustes climáticos. E essa é, sim, uma questão de fé!
Logo nas primeiras páginas da Bíblia, YHWH (o Senhor) Deus “toma” o ser humano, coloca-o no centro do Jardim do Éden e lhe dá o primeiro dos mandamentos: “guarda e cultiva”. O que o texto indica com isso é que o ato de “cuidar da criação” é um “ofício sagrado”. Na perspectiva cristã, a criação reflete a bondade divina (Gn 1,10) e é sustentada por seu Espírito (Sl 102,29).
Um dos adjetivos bíblicos mais belos a respeito da relação do Criador com as suas criaturas está no Livro da Sabedoria. Lá, Deus é chamado de “amigo da vida” (Sb 11,26)
A nossa “inimizade” com a criação e o nosso desrespeito com o meio ambiente são reflexos do nosso divórcio com esse lugar tão “sagrado” e “doce” que é a natureza. Está tudo tão digital, tão momentâneo, tão descartável, tão “cinza”, que não há espaço para cor, para pausa, para respiro.
O país está com falta de ar porque nossas almas estão sufocadas. Seja do ponto de vista bíblico, do compromisso social ou da responsabilidade com a natureza, a “nossa casa comum”, a consciência ambiental é um imperativo urgente. Isso porque, simplesmente, não temos um plano “B”. Não há um outro planeta “Terra”.
Na capital de Minas, antes referência para pessoas com doenças respiratórias se tratarem, segue cobrindo seus rios, segue com seu clima alterado em decorrência do ar fresco barrado pelos prédios suntuosos em Nova Lima, segue cortando suas árvores…
Sim, isso é uma questão de fé! Não é possível crer em “algo divino” e estar cego diante do que aqui se vê. Destruir a natureza é um insulto à obra do Criador! Deus ajude a não sermos a única geração que está deixando um legado de “destruição” para os que vêm à frente de nós. Afinal, estamos ficando cada vez mais “incautos”, mais “materialistas”, mais “cinzentos”…
Que essa não seja uma “profecia apocalíptica” sobre o fim, mas sobre o modo como termina, na Bíblia, o livro do Apocalipse, cujo objetivo é suscitar esperança em momentos difíceis: indicando que, no final dos tempos, a Terra deverá, de novo, tornar-se um belo jardim (Ap 22,1-2).